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segunda-feira, 31 de maio de 2010

na saúde e na doença.


Então eu a vi. Seus longos cabelos negros contra o vento, seus olhos se fechando para se proteger do sol. Sua pele, tão morena, tão delicada, tão doce. Ela acenou pra mim, feliz por eu estar ali. Corremos em direção ao outro em plena avenida Rio Branco. E então ela me abraçou, transmitindo todo aquele afeto que apenas o seu abraço transmitia. Tenro, suave, bruto.

Um barulho de porta abrindo fez com que eu acordasse. Xinguei mentalmente as três próximas gerações desse ser por ter perturbado um sonho tão bom, mas quando abri os olhos, vi aquele mesmo rosto do sonho sorrindo pra mim. O mesmo sorriso de sempre, capaz de me fazer mais feliz não importa o que acontecesse. Ela andou até mim, sentou na cama ao meu lado, e me beijou. Seu beijo ainda era o mesmo, mas não podia ignorar o sentimento de culpa que ele agora trazia.

Desde a internação, os sentimentos mudaram entre nós. Desde aquela fatídica quarta-feira, eu não podia deixar de ignorar o fato dela estar perdendo seu tempo comigo. O médico já havia deixado bem claro que eu não viveria mais que três anos. E ainda assim, ela continuava ao meu lado, mesmo sabendo que eu não poderia dar a ela um futuro. Sim, ela sabia como eu me sentia, já havia dito a ela, e a sua resposta era sempre a mesma: "estou aqui porque amo você, e se você tivesse mais 3 dias de vida apenas, gostaria de dividí-los com você, assim como sei que você dividiria os meus." Ela realmente não se importava em estar perdendo tempo com alguém que estava tão fraco que sequer poderia sair de casa.

Eu perguntei como estava a escola, ela sorriu e disse que estava nostálgico sem mim, o que partiu meu coração. Nunca mais eu pisaria na minha única e antiga escola, o lugar que mais tinha contribuido nas minhas lembranças. Sorri, ela não precisava ter ciência disso. Já era sofrível demais pra ela me ver pálido e deitado numa cama, sentido dor até mesmo no simples ato de erguer a cabeça. A beijei, mais uma vez. Era o melhor beijo culposo que eu poderia receber.

Conversamos um pouco mais, assistimos um pouco de tv e ela teve de voltar pra casa, já era tarde.

Todos os dias, desde aquela fatídica quarta-feira, ela nunca havia passado um dia sequer sem ir me visitar. Eu podia ver que ela ia porque queria, e não por obrigação. NOSSA, quantas vezes não tentei terminar nosso relacionamento? Quantas vezes ela não chorou implorando que eu deixasse de ser tolo? sem dúvida, a mesma quantidade de vezes. Mas eu não podia ignorar que ela estava perdendo seu tempo comigo.

Peguei o livro que estava em minha cabeceira; 1984, meu favorito. Eu o leria mais um pouco, faria algumas refeições, veria alguns filmes e dormiria. Porque agora, é só isso que eu faço. Sinto falta do vento no meu rosto, de correr livre pela rua, de sair com ela. Todas essas coisas que a doença me arrancou.

O que me mantém lutando pra viver é ela, com todas aquelas diárias visitas vespertinas. A doença tira-me a vida, aos poucos. Mas não ela, porque ela resiste, o amor resiste. Eu a amo, mais do que um dia amaria a mim mesmo.

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